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LIvraria virtual 'Chesterton Livros'

sábado, 16 de fevereiro de 2013

O Homem que era Quinta-Feira

Por Martin Gardner
Tradução de Mateus Leme
Publicado e traduzido o site: Book Sand Culture 

O Homem que era Quinta-feira, uma obra-prima de G. K. Chesterton, desenvolve-se ao redor de dois dos mais profundos de todos os mistérios teológicos: a liberdade da vontade e a existência de um mal compacto e irracional. Os dois mistérios são intimamente relacionados.

Na fantasia cômica de Chesterton, à qual ele intitula “Um Pesadelo”, o livre arbítrio é simbolizado pelo anarquismo. A liberdade do homem de fazer coisas perversas, como disseram Agostinho e tantos outros teólogos de todos os credos, é o preço que pagamos pela liberdade. Se nossas ações fossem inteiramente determinadas pela forma como a hereditariedade e o ambiente influem em nosso cérebro, seríamos meros autômatos com genuíno livre arbítrio ou autoconsciência – dois nomes para a mesma coisa – não maiores do que um aspirador de pó. Porém não somos autômatos. Temos um conhecimento do bem e do mal, e uma liberdade de escolha, dentro de limites, é claro, entre ambos. De alguma forma, nossas escolhas não são totalmente determinadas, e, mesmo assim, de alguma forma também não são ao acaso, como se fossem feitas jogando minúsculos dados dentro de nossas cabeças. Este é o obscuro e impenetrável paradoxo da vontade e da consciência. “Entendi tudo”, grita Gabriel Syme no último capítulo do livro. “Por que cada coisa na terra faz guerra contra todas as outras? ... Para que cada coisa que obedece à lei possa ter a glória e o isolamento do anarquista”.

O movimento anarquista da época de Chesterton, com seus fanáticos atiradores de bombas, felizmente desvaneceu-se, mas anarquistas individuais permanecem entre nós. Um Timothy McVeigh explode um prédio federal porque odeia o governo federal. Um Ted Kaczynski explode estranhos porque odeia a tecnologia moderna. Extremistas islâmicos explodem prédios e aviões porque odeiam Israel e os Estados Unidos. Católicos e protestantes irlandeses explodem bombas porque se odeiam uns aos outros. Estes são alguns dos horrores com que pagamos pelo misterioso dom do livre arbítrio.

Henry James, o pai de William, disse-o eloquentemente em uma carta citada por Ralph Barton Perry no primeiro volume de seu Pensamento e Caráter de William James (1935, p. 158): 

“Pense em uma existência espiritual tão lânguida, tão descorada, tão miseravelmente melancólica e sem vida como esta; uma existência presidida por uma deidade sentimental, uma deidade de coração tão estreito, mente tão fraca e tão amolecida que fosse incapaz de criar homens semelhantes a deuses, com mãos e pés para fazer seu próprio trabalho e seguir seus próprios caminhos, e se contentasse, portanto, em criar animais espirituais sem outras funções que as de deglutição, digestão, assimilação... Estas criaturas não teriam uma vida. No máximo, elas mal existiriam. Vida significa individualidade ou caráter; e a individualidade e o caráter nunca podem ser conferidos, nunca podem ser comunicados por uma pessoa a outra, mas devem ser interiormente forjados pela diligente e dolorosa subjugação do mal para entrar na esfera da atividade individual. Se Deus fizesse meramente sacos espirituais aos quais pudesse encher com seu próprio sopro por toda a eternidade, então é claro que o mal poderia ser deixado fora da experiência da criatura. Porém ele detesta sacos, e ama apenas os homens, feitos à sua imagem em coração, cabeça e mãos.”

As 168 pessoas assassinadas pela bomba de fertilizante de McVeigh foram mortas de forma tão irracional quanto se um terremoto tivesse demolido o edifício. E isso nos leva ao outro profundo mistério do pesadelo de Chesterton, o mistério do mal natural. É claro, isso não é mistério para um ateu. É apenas o modo como o mundo é. Mas, para o crente de qualquer fé, é o mais aterrorizante dos enigmas. Como pode um Deus todo-poderoso e benevolente permitir tanta dor desnecessária? Como Gogol pergunta a Domingo, como uma criança pequena questionando sua mãe, “eu queria saber por que sofri tanto”.

A realidade de quantidades tão vastas de sofrimento dá aos ateus seu argumento mais poderoso. Terremotos, inevitáveis por causa de forças nas camadas sob a superfície da terra, podem ceifar as vidas de milhares. Crianças pequenas morrem de câncer. Milhões podem ser mortos por epidemias como a Peste Negra do século XIV.

A única forma possível pela qual um crente pode escapar ao ataque do ateu – Deus é malévolo ou não há Deus – é ver a Natureza como as costas da realidade. Para além do que Lord Dunsany gostava de chamar “os campos que conhecemos”, há um reino oculto, maior e completamente diferente. A lógica não consegue provar sua existência, e a ciência é impotente em seus esforços por penetrá-lo, mas por um salto da fé podemos escapar ao desespero esperando por uma vida além-túmulo onde Deus irá, de alguma maneira completamente além de nosso entendimento, retificar as loucas injustiças dos campos que conhecemos. Esta é a grande esperança que brilha no coração do teísmo e no centro do melodrama de Chesterton.

Muitos leitores ao longo das décadas tiveram dificuldade em entender quem é Domingo. No primeiro capítulo de Este Lado do Paraíso, de F. Scott Fitzgerald, diz-se do protagonista que apreciara O Homem que era Quinta-feira, mas sem o entender. Um revisor anônimo no Aberdeen Free Press (12 de Março de 1908) terminou sua crítica dizendo que havia se divertido com a “brilhante prosa” de G. K., mas que largou o livro “sem a menor ideia” do que se tratava.

Quem, então, é Domingo? O próprio Chesterton deixou bastante claro, não apenas em sua novela mas também em comentários espalhados a respeito dela. Domingo é simplesmente a Natureza, ou o Universo quando visto como distinto do Criador. O Deus do Judaísmo, Cristianismo e Islã tem dois aspectos que os teólogos gostam de chamar transcendência e imanência. Deus está totalmente além do universo e de nossa compreensão, mas ao mesmo tempo mais perto de nós do que a respiração, como diz a Bíblia, ou, nas palavras do Alcorão, mais próximo do que a principal artéria em nosso pescoço. Domingo é a imanência de Deus. Ele é a Natureza, o Universo, com suas inalteráveis leis dadas e mantidas por Deus e que parecem tão obviamente indiferentes ao nosso bem-estar.

Domingo, como a Natureza, tem um lado da frente e um lado de trás. Por trás, lembra o que Chesterton, em A Utilidade da Diversidade (Cap 9), chama de “um monstro semi-sobrenatural”. Pela frente, parece um anjo. A Natureza nos prodigaliza mil dons que nos tornam felizes e agradecidos por estarmos vivos, porém a mesma Natureza pode destruir cidades inteiras com terremotos aparentemente aleatórios. Pode afogar-nos com enchentes, matar-nos com tornados e doenças. No final, ela nos executará.

Tanto ateus como crentes devem encarar o fato de que a Natureza não liga a mínima para se você ou eu vivemos ou morremos, ou mesmo se a raça humana sobreviverá. Não há nenhuma garantia de que algum dia um cometa gigante ou asteroide não atingirá a Terra e obliterará toda a vida. Podemos destruir-nos com uma guerra nuclear. Não há garantias de que o homem não acabará desaparecendo como os dinossauros.
Através do pesadelo de Chesterton há numerosos indícios de que Domingo é a Natureza pagã. Ele é monstruosamente enorme e informe. Quando se levanta, parece encher o céu. Seu aposento e roupas são limpos, mas ele é distraído e, às vezes, seus grandes olhos subitamente tornam-se cegos. Teria G. K. feito seus olhos azuis porque esta é a cor do céu? O cabelo branco de Domingo sugere sua idade avançada. É-nos dito que nunca dorme. Como a onipresença de Deus, pode estar em seis lugares ao mesmo tempo. É capaz de esmagar uma pessoa “como uma mosca”. Parece-se com um humano, mas na verdade “não é um homem”. Como Pan, ele é meio humano, meio animal.

“Não somos muita coisa”, diz Ratcliffe, “no universo de Domingo”. Aqueles que entram em contato com Domingo temem-no da mesma forma que temem o “dedo de Deus”. Quem pode contemplar o universo – bilhões de estrelas flamejantes em cada galáxia e bilhões de galáxias – sem ficar profundamente perturbado por um sentimento de admiração combinado com um completo terror? Esta é uma amostra de como os seis homens, Segunda-feira a Sábado, reagem a Domingo. Ele desperta-lhes aquela estranha mistura de reverência e medo que Rudolf Otto, em A ideia do Sagrado, chama de mysterium tremendum.

Chesterton gostava de imaginar que Deus tem senso de humor. Domingo é descrito como uma “Coisa” capaz de sacudir com gargalhadas, “como uma viva e odiosa gelatina”. A Natureza tem seu lado selvagemente cômico. Aprecia pregar “travessuras amáveis” “tão grandes e sutis” que nunca poderíamos imaginá-las até as vermos – travessuras como o pelicano, o búcero, o elefante.

Einstein disse uma vez, em uma observação frequentemente citada, que Deus (pelo qual queria dizer a Natureza, ou o “Deus” de Spinoza) é sutil, porém não malicioso. Em geral não se sabe que mais tarde em sua vida, após o desenvolvimento da mecânica quântica, Einstein admitiu em uma carta que talvez estivesse enganado. Deus pode ser malicioso, afinal de contas.

Einstein não estava pensando em ações tão maliciosas como terremotos e pestes – o Deus de Spinoza é indiferente a tais coisas – mas nos muitos paradoxos sutis da teoria quântica. Considere o notório “paradoxo EPR”, nome derivado das iniciais de Einstein e dos dois colegas que o descobriram em primeiro lugar. Um par de partículas é produzido por um evento que as lança em direções opostas. Sua formação requer que tenham spins opostos. Na teoria quântica, os spins não têm direção até que sejam medidos. Porém, não importa quão longe vão as partículas, talvez a anos-luz uma da outra, permanecem “amarradas” de tal forma que, quando o spin de uma é medido, a função de onda do sistema de duas partículas sofre um assim chamado “colapso”, e a outra partícula instantaneamente adquire um spin oposto àquele da partícula medida.

Einstein chamava-o “fantasmagórica ação à distância”. O paradoxo não se resolve dizendo-se que as partículas são sempre parte do mesmo sistema quântico, com uma única função de onda que colapsa quando uma partícula é medida. O mistério é como as partículas conseguem permanecer ligadas, ou “correlatas”, quando a teoria da relatividade torna impossível que a informação viaje mais rápido do que a luz. Para Einstein, em seus últimos anos, o paradoxo EPR era uma das maliciosas travessuras do “Velho Senhor”.

A Natureza pulula com mil outros trotes bem-humorados que permanecem inexplicáveis. Quando os cientistas fazem perguntas sobre eles, com frequência recebem respostas que parecem absurdas. Neste momento, os astrônomos estão desconcertados por evidências que parecem indicar que o universo é mais jovem do que algumas de suas estrelas. No Livro de Jó no Velho Testamento, ao qual Chesterton era especialmente afeiçoado, Jó faz tudo o que pode para forçar a Deus a explicar por que ele, Jó, um homem bom, tivera de sofrer tais agonias. Deus responde às questões de Jó lançando-lhe outras perguntas. Quem você pensa que é, diz Deus, para questionar a sabedoria e intenções de seu criador? Onde estava você quando Eu fiz o universo? “A Ilíada só é grande”, escreveu G. K. em um ensaio sobre o absurdo (The Defendant, 1907), “porque toda vida é uma batalha, a Odisseia porque toda vida é uma jornada, o Livro de Jó porque toda vida é um enigma".

Em 1907, o ano anterior à publicação de Quinta-feira, Chesterton escreveu uma introdução ao Livro de Jó (publicado em "GK como MC", 1929). Garry Wills, em sua introdução a O Homem que era Quinta-feira (Sheed & Ward, 1975), considera-o “seu ensaio mais importante, escrito sobre o livro que mais profundamente o influenciou em toda a sua vida”. Este ensaio, escreve Wills, “poderia quase ser usado como um comentário à novela”: O “Conselho” e o “Acusador” são, na última cena, referências diretas ao Livro de Jó. A perseguição final através de cenas monstruosas, repletas de incríveis bestas trovejantes, é um vislumbre daquele mundo animal que Javé recordou a Jó. Syme é respondido pelo elefante, como Jó por Behemoth. Esses ecos multiplicam-se no capítulo final, quando os Filhos de Deus gritam de alegria na estranha dança que o Conselho presencia. Os paralelos são finalmente estabelecidos pela citação de Bull: “Houve um dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se diante do Senhor, e Satanás veio também entre eles”.

As respostas evasivas e irrelevantes de Deus a Jó são parodiadas pelas absurdas mensagens que Domingo atira a seus perseguidores enquanto é perseguido através de Londres. A Natureza está perenemente confrontando os cientistas com fenômenos que não conseguem penetrar. Ninguém pode apanhar Domingo. Ninguém pode descobrir as razões últimas de por que o universo existe ou por que é estruturado da forma como é.

“O que sou eu?” urra Domingo no capítulo 13. (Note: diz “o que” e não “quem”). Ele continua e acrescenta que a ciência nunca descobrirá tudo. “Vocês entenderão o mar, e eu continuarei a ser um enigma; saberão o que são as estrelas, e não o que eu sou. Desde o princípio do mundo todos os homens me caçaram... Mas nunca me apanharam, e os céus ruirão quando isso acontecer”.

Esta é a mesma voz que falou a Jó de dentro do redemoinho. Há verdades sobre a existência que estão tão além de nossos débeis cérebros quanto  nosso conhecimento do mundo está além da mente de um tordo. Hoje Domingo poderia ter gritado: “Vocês podem aprender que a matéria é feita de partículas que por sua vez são feitas de supercordas, mas isso não lhes dirá por que existem as supercordas. Se algum dia conseguirem reduzir a física a uma única equação, ou uma pequena quantidade de equações, ainda assim não saberão a razão delas. Vocês nunca serão capazes de explicar por que existe algo diferente do nada, ou por que, como colocou recentemente Stephen Hawking, o Universo se ‘incomoda em existir’”.

“Ouçam-me”, brada Syme no capítulo 14 “Posso contar-lhes o segredo do mundo?” Seu discurso encerra em si de uma maneira maravilhosa o coração do pesadelo de G. K. e também o coração de Platão. “É que apenas conhecemos as costas do mundo. Vemos tudo por trás, e parece brutal. Aquela não é uma árvore, mas as costas de uma árvore. Aquela não é uma nuvem, mas as costas de uma nuvem. Não veem que todas as coisas estão de costas e escondendo o rosto?”

A Natureza tem dois lados, frente e costas, e toda a Natureza são as costas de Deus. Na famosa analogia de Platão, vemos apenas sombras na parede da caverna do mundo. No infinito reino de tudo que existe, além dos campos que conhecemos, está nossa única esperança de escapar do desespero final e da morte. No fim do pesadelo de Chesterton, quando Domingo começa a misturar-se com Deus, pode chamar a si mesmo de Sabbath, o dia em que Deus repousa, a paz final de Deus.

Em Êxodo 33,20-23, Deus diz a Moisés:

Não poderás ver a minha face, pois o homem não me poderia ver e continuar a viver. E o Senhor disse, Eis um lugar perto de mim; tu estarás sobre a rocha. Quando a minha glória passar, te porei na fenda da rocha e te cobrirei com a mão, até que eu tenha passado. Retirarei depois a mão, e me verás por detrás. Quanto à minha face, ela não pode ser vista.

Sabemos que Chesterton conhecia estes versículos. Em sua introdução a O Homem que era Quinta-feira, Wills chama atenção  para uma passagem no livro de G. K. sobre G. F. Watts (1904), em que fala do interesse incomum de Watts em pintar figuras humanas de costas. Eis o que escreve Chesterton nas páginas 62-63:

Antes que deixemos esta segunda parte sobre o temperamento de Watts, enquanto expresso em suas linhas, devemos mencionar aquilo que é, sem dúvida, o mais interessante e supremamente pessoal de todos os elementos nos esboços e desenhos do pintor. Trata-se, é claro, de sua magnífica descoberta do efeito artístico das costas humanas. As costas são a coisa mais impressionante e misteriosa do universo: é impossível falar sobre elas. É a parte do homem sobre a qual este não sabe nada; como uma província longínqua esquecida por um imperador. É uma frase comum que qualquer coisa pode acontecer por trás de nossas costas; transcendentalmente considerada, há aí uma estranha verdade. O Éden pode ser atrás de nossas costas, ou o País das Fadas. Porém, este mistério das costas humanas tem também seu outro lado na estranha impressão produzida nos que estão atrás: caminhar atrás de qualquer pessoa em uma fila é algo que, falando corretamente, toca o que há de mais profundo no senso de reverência. Watts percebeu-o como ninguém antes nas artes ou letras em toda a história do mundo: isto o fez grande. Há uma possível exceção a seu monopólio desta magnífica mania. Dois mil anos antes, nas obscuras escrituras de um povo nômade, foi dito que seu profeta viu o imenso Criador de todas as coisas, mas apenas de costas. Não sei se mesmo Watts ousaria pintá-lo. Mas parece uma de suas pinturas, como se fosse a mais formidável de suas pinturas, que ele manteve oculta.

“Domingo”, acrescenta Wills, “é a tentativa de Chesterton de pintar aquele quadro”. Syme coloca-o dessa maneira:

“Uma vez, e outra, e sempre”, continuou Syme, como alguém falando sozinho, “este foi para mim o mistério de Domingo, e é também o mistério do mundo. Quando vejo suas costas horríveis, tenho certeza de que o rosto nobre é apenas uma máscara. Quando vejo o rosto, mesmo que por um instante, sei que as costas são apenas uma piada. O mal é tão mau que não podemos senão pensar que o bem seja um acidente; o bem é tão bom que temos certeza de que o mal poderia ser explicado”.

Se Chesterton tivesse terminado sua fantasia com as declarações incontidas de Syme sobre a Natureza como as costas de Deus, seu livro não teria sido mais do que uma apologia para o teísmo filosófico, sem ligação com qualquer credo religioso. Mas não termina. O livro encerra-se com uma sequência de sonho, um sonho dentro de outro, envolvendo um grande baile a fantasia em que os seis policiais vestem-se de forma a lembrar os seis primeiros dias do Gênesis. Gregory, o autêntico anarquista do livro, torna-se um símbolo de Satanás, o destruidor supremo. Depois que ele e Syme cruzam espadas verbais, este nega a acusação de Gregory de que a humanidade não sofreu. Voltando-se para Domingo, cuja face exibe um estranho sorriso, ele pergunta, “Você já sofreu?”

A face de Domingo expande-se até encher o céu. Tudo escurece. A Natureza, costas de Deus, esmaece e some. A face transcendente de Deus não pode mais ser vista. Apenas sua voz pode ser ouvida quando pergunta, “Podeis beber do cálice de que eu bebo?" É a única passagem do livro tirada do Novo Testamento. O pesadelo de Chesterton termina com uma referência à Encarnação - Deus tomando uma forma humana para experimentar a dor humana e preparar a nossa vida eterna. Isto é o que Syme chama a "boa nova impossível", o evangelho que torna "todas as outras coisas trivialidades, mas trivialidades adoráveis".

O que Chesterton quer dizer é isto: se alguém consegue dar o misterioso salto da fé, escapa pela única forma possível do que Miguel de Unamuno denominava o "sentido trágico da vida". O dorso perverso da Natureza desaparece à luz da paz de Deus. Objetos comuns como postes, macieiras, moinhos de vento, balões, navios, búceros, elefantes, a lua — uma das coleções de ensaios de Chesterton intitula-se Tremendas Trivialidades — adquirem uma espécie de encanto que nunca tiveram. "Por todo o cosmos", escreveu Chesterton em Hereges (1905), "há uma tensa e secreta festividade — como os preparativos para o Guy Fawkes Day. A eternidade é a véspera de algo". Os objetos já não são coisas que estarão para sempre perdidas para nossa experiência. Tudo é visto com um novo sentimento de admiração e gratidão. Passariam muitos anos até que Chesterton pudesse acreditar que a Boa Nova era encarnada e preservada pela Igreja Católica Romana. Ele foi recebido na Igreja em 1922. Sua esposa o acompanhou quatro anos depois.